quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Canonet QL 17

Minha velha Canonet QL17, descansa decorativamente sobre a madeira, pendurou as chuteiras, porém continua linda e robusta desde 1965, quando os objetos e instrumentos eram feitos para durar. Comprei-a num antiquário, em 2002, mandei fazer uma revisão e colhi várias imagens com ela. Como não era tão prática quanto a minha Pentax oitentista program-A, utilizei-a mais para fazer poesia. É uma boa poetisa: tem olhos aguçados que sussurram quando piscam.

Saramago desembusha e Bush se esborrasha

George Bush, ou a idade da mentira
By José Saramago

"Pergunto-me como e porquê Estados Unidos, um país em tudo grande, tem tido, tantas vezes, tão pequenos presidentes. George Bush é talvez o mais pequeno de todos eles. Inteligência medíocre, ignorância abissal, expressão verbal confusa e permanentemente atraída pela irresistível tentação do puro disparate, este homem apresentou-se à humanidade com a pose grotesca de um cowboy que tivesse herdado o mundo e o confundisse com uma manada de gado. Não sabemos o que realmente pensa, não sabemos sequer se pensa (no sentido nobre da palavra), não sabemos se não será simplesmente um robot mal programado que constantemente confunde e troca as mensagens que leva gravadas dentro. Mas, honra lhe seja feita ao menos uma vez na vida, há no robot George Bush, presidente dos Estados Unidos, um programa que funciona à perfeição: o da mentira. Ele sabe que mente, sabe que nós sabemos que está a mentir, mas, pertencendo ao tipo comportamental de mentiroso compulsivo, continuará a mentir ainda que tenha diante dos olhos a mais nua das verdades, continuará a mentir mesmo depois de a verdade lhe ter rebentado na cara. Mentiu para fazer a guerra no Iraque como já havia mentido sobre o seu passado turbulento e equívoco, isto é, com a mesma desfaçatez. A mentira, em Bush, vem de muito longe, está-lhe no sangue. Como mentiroso emérito, é o corifeu de todos aqueles outros mentirosos que o rodearam, aplaudiram e serviram durante os últimos anos.
George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira. A sociedade humana actual está contaminada de mentira como da pior das contaminações morais, e ele é um dos principais responsáveis. A mentira circula impunemente por toda a parte, tornou-se já numa espécie de outra verdade. Quando há alguns anos um primeiro-ministro português, cujo nome por caridade omito aqui, afirmou que “a política é a arte de não dizer a verdade”, não podia imaginar que George Bush, tempos depois, transformaria a chocante afirmação numa travessura ingénua de político periférico sem consciência real do valor e do significado das palavras. Para Bush a política é, simplesmente, uma das alavancas do negócio, e talvez a melhor de todas, a mentira como arma, a mentira como guarda avançada dos tanque e dos canhões, a mentira sobre as ruínas, sobre os mortos, sobre as míseras e sempre frustradas esperanças da humanidade. Não é certo que o mundo seja hoje mais seguro, mas não duvidemos de que seria muito mais limpo sem a política imperial e colonial do presidente dos Estados Unidos, George Walker Bush, e de quantos, conscientes da fraude que cometiam, lhe abriram o caminho para a Casa Branca. A História lhes pedirá contas."
José Saramago
Agradecimentos a Andrea Lion pela dica do Blog

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Um animal sonhado por Kafka

"É um animal com um cauda grande, de muitos metros de comprimento, parecida com a da raposa. Por vezes eu gostaria de segurá-la, mas é impossível: o animal está sempre em movimento, a cauda sempre de um lado para o outro. O animal tem algo de canguru, mas a cabeça pequena e oval não é característica e tem alguma coisa de humano; só os dentes tem força expressiva, quer os esconda ou mostre. Tenho seguidamente a impressão de que o animal quer me amestrar; senão, que propósito pode ter ao retirar-me a cauda quando quero agarrá-la, e depois esperar tranqüilamente que ela volte a atrair-me, para logo tornar a saltar?"
KAFKA, Franz. Hochzeitsvorbereitungen auf dem Lande, 1953 IN BORGES, Jorge Luis e GUERRERO, Margarita. O livro dos seres imaginários. São Paulo: Globo, 1996. 7ª Ed.; P. 27

Impressionismo Fotográfico I: Prédios à noite


Bilhete formal mais preocupado com a forma do que com a informação

Prezado senhor,

Favor lustrar o lustre da sala de estar
para trazer mais luz e ar
ao clube de lazer

Atenciosamente,

O gerente

Quarta-feira, 2434

Malaco


Associação livre de palavras em 2614 manhã de clima manhoso

Altero
meu terno de
halterofilista.
Procuro na lista
(telefônica) o
telefone de um
filatelista.
Digito
o número, mas
passo por crise afônica.
Nada digo, nem
remunero o profissional, que
fica dizendo
“alô
alô
alô”
ao léu.

Olho
para o céu:
o sol se
esconde em véu
de nuvens.

Pássaros
passam rente ao
campanário
- réplica
do sistema
planetário –
ouço canto
de canário
amarelo.

Elaboro
planos para meu
horário de
folga.
É longa
a espera,
mas não tenho
pressa:
tenho
consciência
de que o melhor
é ter
paciência, pois
quem tem pressa,
come cru
(e eu
Não nasci
Para ser
Urubu)...

Animus/Anima


Pátina do tempo

Nas mãos de Cronos, até mesmo uma caixa d'água de amianto pode tornar-se bela. O mesmo tempo que desmantela uma face outrora bela, que põe em ruínas cidades e quimeras, com os fungos e a erosão aperfeiçoa aquilo que o humano pôs a mão. No craquelê da pele e da tela, o tempo é o grande pintor, o maior escultor, o grande artista. Isso Chico Buarque já disse em sua canção "O tempo e o artista", do disco Paratodos, de 1993, o último ainda lançado em vini pelo nosso patrimônio cultural de Hollanda...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ilustre vizinho




Tudo bem, não são boas fotos, mas como, em dois anos, essa é a primeira vez que eu recebo uma visita deste ilustre vizinho, não resisti em expô-lo assim, da maneira que pude registrá-lo. Sabe lá quando é que poderei vê-lo novamente? Vale dizer que este foi o maior tucano que eu já vi: sem "história de pescador", media uns bons 60cm (fora o bico!). As duas primeiras fotos são recortes de fotos maiores - por isso temos a definição deplorável! A terceira foi o mais próximo que pude chegar deste nobre rapaz (ou seria uma dama?) Como vou me mudar na semana que vem, tomo esta visita como uma despedida - de minha parte, posto que, para ele, eu não significo nada...

Trinta réis (Visitante sazonal)

Em dois anos de morada neste meu paraíso não reservado, é a terceira vez que essas graciosas aves vêm me visitar. Fazem seu bailado e suas acrobacias para, em pleno vôo, arrancar as frutinhas de uma árvore. Durante alguns dias, me fazem companhia durante às tardes, depois somem, seguem seu caminho, viajam para outros lugares, comem frutinhas em outras aragens, bailam para outras infinitas pessoas que as podem ver, talvez você.

O oportunista (corretor de imóveis)


Peste imaginária

Ratos de rabos rotos
derretem sem deixar pistas
na estrada ou na calçada.

Procuro, procuro
e o povo tabém procura
na loucura paranóica
de uma peste imaginária.

Procuro, procuras
e procuramos no esgotos
bueiros
sarjetas
quintais
casas
porões
matos
e matagais
potreiros
e pastos

Procuramos, procuramos,
mas, de ratos
não encontramos restos,
nem rastros.

Sequer abrimos
os vazilhames de inseti-raticida
importado
do Paraguai

Para limparmos o recipiente
de nossos medos,
dedetizamos, então, nossas idéias.

A atitude foi eficiente:
eliminamos os ratos imaginários.
O problema, agora,
são as baratas
que brotam, involuntárias
das prateleiras
de nossos armários.

Fartura

Farta cultura
Farta curtura
Falta curtura
Falta cultura

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O desconstrutor de sons

Ator: Anderson Luiz Tambosi

Vazante

...eis a questão:

Paredes brancas
típico ruído de água
vazando em cerâmica branca
— nos banheiros públicos
©elite é fator popular.

A bexiga empertigada aperta,
a uréia desce uretra abaixo.

Três bitucas de cigarro
e uma goma de mascar
mascada
repousam na cuba
vazia.
Não podem perceber
o jato quente
que rapidamente
se aproxima.

O jato jateia
em meio
à água corrente;
balé de bitucas e goma
mascada
dançam e balançam
num sobe e desce contínuo.

Gota a gota,
A dança se esgota.

(Típico ruído de água vazando)

Café


Meu pai cansado