sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Um casal de bicho-pau

As minhas vizinhas

As minhas vizinhas não fazem churrasco nem azucrinam com música alta. Cortam a grama e adubam o solo. Não fazem intrigas. são realmente muito tranqüilas.

Gestalt

Caminhava pelas ruas abarrotadas eclodindo informações das quais nada digeria. Da cápsula de seu eu vazio o mundo parecia inerte e inútil. Postes, pregos, pessoas, tudo com o mesmo grau de insignificância: não cogitava avaliar aquilo que ignorava.
Posto que assim insensível ao não-ego, deveria ter se espantado, ou ao menos posto em questão o motivo pelo qual olhou para ela e imediatamente A VIU! Mas não: simplesmente a viu, caminhando em meio à banalidade do ilusório, não bloqueou seus instintos, segurou-a pelo braço, conduzindo-se ambos até a cafeteria mais próxima onde rabiscaram a mesa inteira e de onde decidiram nunca mais sair.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Agônica (Em M.R.U.)

Deixou os nervos
estendidos no varal
defumou os olhos
com a fumaça
da central
e com o sal
de suas lágrimas
não teve o destino que teve
nossa senhora de fátima
não viu virgem maria
só via agonia
despejou seus restos no quintal
e pra esquentar seu corpo
abraçou um caminhão
que na contramão
veio em sua direção
e lhe estendeu a mão.

Édipo

Podei os pés de Édipo
e os pus onde não podia.
Brotava pus de suas feridas
donde vinha um cheiro fétido.

Frente a isso
disse ele nunca ter tido pés
pois há muito não os via.
Mas não era o que todos diziam:
em Tebas sempre foi certo e sabido
que aqueles pés inchados
revelavam um pútrido pecado.

Mas Édipo não pode ver:
seus olhos estão cegos para tudo que machuque seu ego.

Paranóia

Nas esquinas por onde passo
há sempre um palhaço
a me perturbar.
Seja perto da Matriz
ou no Morro da Imperatriz
é tanto estorvo que não sei
como inda sou feliz.

Mal saio de casa
de manhã cedo
e já peço para o sol se pôr.
Não sei se é paranóia
ou mal-humor
mas já saio de casa com medo
da muvuca que me desagrada.

Eu tenho medo que um dia
eu me incomode até com minha alma.
Por isso sempre peço baixinho,
em segredo:
“Calma, alma, calma.”

- Samba-ficção baseado em fatos surreais -

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Cotidiano nº 3 (Como diria o sociólogo de plantão)

Os motoristas, acostumados a dirigirem barcos, ancoram seus carros com todo estardalhaço. Do rio-estrada rompem do braço o leito das calçadas, habituadas a suportarem apenas palhaços, pés descalços e peitos humanas plenas.
Encostados os carros, atracam seus pés na lama. Caminham a passos largos rumo aos seus encargos. Acocoram-se nas sarjetas dos escritórios - escrotos vomitórios de tarjetas comerciales - embrenham-se nas gretas das máquinas em que arvoram-se. Fruto de todos os males, qual óleo invadem o lençol freático aos milhares por segundo, num ritmo frenético, porém moribundo.
Ao cair da tarde evadem-se para suas casas, de nada tornam-se estradas, receptáculo oco pisoteado pelo eco das imagens do santo oráculo - televisão.
Entretando o dia acaba. De estrada, na cama tornam-se espada, heróicos cavaleiros que no gozo a parceira arrasa. Arremessam-se no sono justo que a manhã arremata. Mergulham na cascata de carros-fragata conduzidos por aqueles que ancoram nas calçadas.
De novo tornam-se nada.
13dez8 8am

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Hai kai

Calor torpor
Em teu fogo
Derreto qual isopor

Corpo abstrato

Ao meu amigo

Escrevo poesia como forma de ludibriar a afasia à qual o mundo me condena.
Versos-desabafos afagam meu ego
Sinto-me mais leve com tais brinquedos lúdicos.

Tambosi não teve a mesma sorte
A pa(nela)ranóia depressão foi mais forte
Terço-rosário com contas demais
Berço de pregos para um neném cego.

Foi praga de alguém?
Mau-olhado?
Ou mal amado?

Drama universal
Tambosi trama jornada sem nau
Odisséia de duras pena
Castigo de Zeus
Abandona-te Palas Athena

Pelas tabelas ando com minha cabeça longe de ti.
Traço meu destino herculeurbano
Confundo as identidades que o mundo me traça:
Sísifo, ou Atlas?
Tanto faz, se o peso me destroça
Qual roupa roída por traça
Sinto que em mim reside a praga
Sou caixa de papelão
Incubando milhares de ovos de baratas

Drama universal
Pois que não estamos sós:
Maternidade perniciosa e autofágica:
É isso que todos somos:
Geramos em nós o monstro
Da Sociedade de Tortura de Massas
Cujo sumo nos consome
- nós que tanto consumimos –
Consome a alma,
E o corpo some.

É por isso que devemos então cantar.
Tambosi, tens que cantar
Abrir os braços para a dança das partículas
Sair desse canto obscuro em que te escondes
Verter um cântaro de poesias
Palavras jorrando da moringa da memória
Na mais absoluta amnésia.
Ano após ano esquecer os atropelos
Converte-los – trombadas e apelos –
Em trovas, traços, abraços
Afeto para os aflitos.
Afluentes de fantasia encontram-se
Formando minha amazônica poesia
Que desemboca no oceano da nostalgia.
Depois, em ondas choca-se
Com as irresolutas falésias da metrópole-fadiga.

E por mais que digam
Que tua força esvaiu-se,
Duvido de tal farsa.
Nosso tempo passa
Os dentes caem e
Os osso viram carcaça
Mas ‘inda resta dentro de nós
O lampejo de uma alma devassa
Que devasta ferozes regras e bulas
Desmascara àquele que adula ao seu carrasco.

À borrasca ruem os ritos, valores
Sucumbem ícones e ditos populares
A dona de casa de nossas cacholas
Não é Dolores, não está nos lares:
Ao contrário, está nos bares
É feia
E tem asas:

Arrebata harpiacalmente
Aos pequenos roedores covardes
Que comem sementes nas pradarias incomensuráveis
Nega a censura e repudia a tortura
Não atura desaforos
Desabafa quando lhe melhor convir.

Aproxima-te dessa megera
Que em todos nós habita.
Quem nasce para ser maldito
Nunca há de ser donzela.

Por isso escrevo – e escreves –
Poemas, mesmo que breves,
Pois que senão quem nos devora
Não são aqueles que estão lá fora
E sim aquele que em nós mora:
A nossa própria fera!

Lagoa do Peri

Na Estação

Estava imerso em uma estafa imensa, sem vontade de erguer a carcaça. Sentia o corpo doer. Uma ausência de pensamentos a remoer-me por dentro. Olhava, apático, pela janela, sem perceber quão rápido o dia passa.
É então que vejo chegar à estação uma maria-fumaça. Uma maria-fumaça que chacoalha esta deserta cidade estática. Dela desembarcam dois jovens com ares de desertores, daqueles que abandonam a metrópole em busca de sossego no deserto. Cabelos compridos, violão na mão, barraca, mochilão. Desembarcam e vêm em minha direção – posto que sou o chefe da estação – e me perguntam “por favor, é aqui que fica o topo do mundo?” ao que respondo ‘estação errada: aqui é o FIM do mundo.”
“E qual é o mais isolado de todos?” me perguntam “queremos ficar longe de tudo”
“Tanto faz” respondo “posto que o verdadeiro isolamento encontra-se no ser, não importa muito estar no topo, no fim, ou longe de tudo. Mas porquê vocês, tão jovens, desejam isolar-se assim?”
“Estamos cansados de tudo. Não suportamos mais nada.”
“Então é uma questão de tudo ou nada, não? Pois bem, sejam bem vindos ao fim-do-mundo. Só não esperem encontrar mais alguém depois de mim: eu sou o último. Ah, cuidado com a escada.”E eu fiquei ali, observando aqueles dois se afastarem, afastando-se, afastando-se, até sumirem na cidade que é um inexistência só. Pareciam felizes, ou pelo menos satisfeitos. Carregavam um brilho nos olhos e uma esperança que ofuscava uma oceânica desilusão. Ao longe, um deles pegou o seu violão e, caminhando, dedilhou uma melodia cujo nome poderia ser “Suave”. Suave melodia que até hoje, nos dias de ventania, ainda posso ouvir, mesclada com nuvens de poeira que ofuscam minha visão.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fellini

Narciso

Narciso faz
De piso liso
[com frisos
E rubros veios]
O seu espelho

Navega pelo mar
Indeciso
Sem saber-se
Lindo ou feio
Se está indo
Ou se veio

Desfeito