Existe algo de fenomenal (ou fantástico) nos latidos caninos que invadem a madrugada: para um homem, deitado em sua cama, perpetuando uma terrível insônia, o que ele percebe, a princípio, é o seu cachorro latindo, ele e mais alguns cães vizinhos. É que o seu cão – cão atento – já está ouvindo algo que os insones ouvidos humanos só perceberão momentos depois: os latidos caninos que invadem a madrugada vêm como uma onda. E, como uma onda, começam do nada.
Sua origem pode estar num bairro distante, num motivo qualquer, um rato, um lapso, um gatuno. De repente, é como uma reação em cadeia, como uma avalanche: outros cães começam a latir, outros respondem aos latidos, que aumentam sem parar, e a onda de latidos atravessa os bairros, um após o outros, um cão após o outro, latindo sem saber o motivo – e muito menos o sabem seus donos. E assim vai a onda, contínua, enquanto o insone, rolando em sua cama, acompanha a sinfonia itinerante, vinda do sul, aproximando-se mais e mais, os latidos aumentando de intensidade, até que pode presenciar o êxtase à sua volta, o momento máximo, em que parece que o próprio planeta está latindo, êxtase que não pára nunca, segue enquanto houverem cães para responder ao chamado de seus companheiros, mas que para o insone parece que cessa, já que a onda – que veio do sul – segue adiante rumo ao norte, e os cães que antes latiam cansados se calam e assim por diante até o instante em que latem apenas cães que estão muito distantes da cama do insone que, devido ao fenômeno, desistiu de dormir.
Seu cão ainda late; e o do vizinho – persistente – também. Em seguida, se cansam, e se calam.
Mas a sinfonia continua em algum lugar. Ás vezes tenho a impressão de que esses latidos dão a volta ao mundo. Dá até para imaginar aquele cachorro que iniciou toda a bagunça, por causa de um rato – ou qualquer outro fato – ganindo, fuçando, rosnando – dentre outros gerúndios caninos. Depois de muito latir por tal motivo abstrato, chega um momento em que se cansa, desiste, dorme, e depois se cala (nesta ordem).
Horas (ou dias depois), após uma volta interplanetária, a onda retorna ao cão de origem que, ouvindo os latidos aflitos, sem saber o motivo, responde aos seus irmãos, cumprindo sua função de propagar a confusão ad infinitum.
27 de outubro de 2003
Sua origem pode estar num bairro distante, num motivo qualquer, um rato, um lapso, um gatuno. De repente, é como uma reação em cadeia, como uma avalanche: outros cães começam a latir, outros respondem aos latidos, que aumentam sem parar, e a onda de latidos atravessa os bairros, um após o outros, um cão após o outro, latindo sem saber o motivo – e muito menos o sabem seus donos. E assim vai a onda, contínua, enquanto o insone, rolando em sua cama, acompanha a sinfonia itinerante, vinda do sul, aproximando-se mais e mais, os latidos aumentando de intensidade, até que pode presenciar o êxtase à sua volta, o momento máximo, em que parece que o próprio planeta está latindo, êxtase que não pára nunca, segue enquanto houverem cães para responder ao chamado de seus companheiros, mas que para o insone parece que cessa, já que a onda – que veio do sul – segue adiante rumo ao norte, e os cães que antes latiam cansados se calam e assim por diante até o instante em que latem apenas cães que estão muito distantes da cama do insone que, devido ao fenômeno, desistiu de dormir.
Seu cão ainda late; e o do vizinho – persistente – também. Em seguida, se cansam, e se calam.
Mas a sinfonia continua em algum lugar. Ás vezes tenho a impressão de que esses latidos dão a volta ao mundo. Dá até para imaginar aquele cachorro que iniciou toda a bagunça, por causa de um rato – ou qualquer outro fato – ganindo, fuçando, rosnando – dentre outros gerúndios caninos. Depois de muito latir por tal motivo abstrato, chega um momento em que se cansa, desiste, dorme, e depois se cala (nesta ordem).
Horas (ou dias depois), após uma volta interplanetária, a onda retorna ao cão de origem que, ouvindo os latidos aflitos, sem saber o motivo, responde aos seus irmãos, cumprindo sua função de propagar a confusão ad infinitum.
27 de outubro de 2003
Nenhum comentário:
Postar um comentário