sábado, 22 de novembro de 2008

O Paquiderme

O pequeno paquiderme
empacou seu corpo
no meio da pacata
cidade
ele e sua epiderme,
inerme, inertes,
ele, o círculo
de capatazes
que se formou
à sua volta.
Ele;
sua epiderme;
e os capatazes
a lhe gritarem:
“Verme!”
“Verme!”
“Sai daí, ô paquiderme!”

Pobre paquiderme,
empacou em local proibido
atravancando o trânsito estrangulado...
Aproveitando o fato,
o guarda do distrito
ordenou ao soldado mais submisso
que instalasse ao lado
do pequeno grandalhão empacado
um parquímetro.

“Sai daí, ô paquiderme!”
“Isso não é parquinho!”

Trânsito engarrafado,
e o paquiderme
não finda seu empacar.
Passam os dias,
e o paquiderme ali,
estatelado feito estátua
de militar.

E lá vem o guarda do distrito
puxando pela coleira
o soldado submisso
que submete-se
a carregar o parquímetro.
Chega o guarda,
chega o soldado,
parquímetro instalado
e o povo, no trânsito,
aguarda, aguarda,
e o guarda ameaça:

“Ô paquiderme!
se tu não saíres daí,
te cobro trinta dinheiros
por trinta minutos
de parada!
E não me venhas
com cheque-voador,
pois que estou careca
de saber que paquiderme
empacado não tem crédito
na praça!”

Em despeito,
o paquiderme ergue
seu imenso corpinho,
dá um passo pr’um lado
pr’outro
pr’adiante
pr’atrás
estatelando-se exatamente
no mesmo lugar.

“Vou-te cobrar-te aluguel”
vocifera o soldado,
fazendo-se coronel.

E nada.

“Vou-te dar-te uma coronhada”
mas a sociedade protetora
da bicharada aprochega-se
e faz uma barricada,
impedindo a agressão.

O paquiderme
coça a barriga
e sorri.

Sorriem também os curiosos
e até os nervosos
- atrasados para os seus compromissos -
e até os doloridos,
com seus comprimidos anti-dolorosos.
Sorriem os transeuntes,
sorriem travestis e pedintes.
Aos poucos, toda a cidade
acostuma-se a ter
o paquiderme
ali,
encostado,
de terça a terça,
no principal cruzamento
do condado.

E não é um costume
em tom resignado.
Ninguém disse
“É assim mesmo:
os paquidermes empacam...
o que se há de fazer?”

Pelo contrário,
parece que aquele empecilho
lá,
no centrão,
causou uma mudança
nos costumes da população.

Com o paquiderme
ali,
empacado,
o trânsito teve
que ser desviado
e o veloz sistema viário,
habilmente projetado
por hábeis especialistas
bem-formados,
com tantas pontes e pistas
ali:
congestionado.

Ao saber da situação,
o prefeito quase morre,
apesar de não ser cardiopata:
quase morre de congestão.

Olha pela janela
de seu gabinete,
situado
no mais alto
arranha-céu
da região,
e vê,
lá embaixo,
o paquiderme,
empacado;
lá embaixo,
o trânsito,
congestionado;
lá embaixo,
o povão,
estatelado no chão deitado no asfalto comendo bebendo com copos na mão crianças rolando na poeira urbana carrinhos de cachorro quente picolé pinhão pipoca pastel astutos vendedores vendendo o mais novo inútil produto produzido do outro lado do mundo praia-urbana balneário-concreto mar de poças de lama nas sarjetas

O prefeito então percebe
que as pessoas estão
gritando algo
algo que não pode ouvir
com os vidros fechados.
Estatela a janela
bota a cabeça p’ra fora
e agora pode ouvir
e o que ouve
lhe soa como um desaforo:
“Viva o paquiderme!”
“Derrubem os semáforos!”
“Viva a preguiça!”
“Abaixo os automóveis!”
“P’ra quê ter pressa?”
grita em alvoroço
a população.
Em meio à algazarra,
o pobre prefeito distingue
a propaganda de um vendedor
ansioso em divulgar seu produto
anti-poluição:

“Proteja sua derme:
compre o creme
do paquiderme!”

E tudo isso ali,
no veloz sistema viário
habilmente projetado
por hábeis especialista
bem-formados,
com tantas pontes e pistas,
orgulho de sua gestão
obra máxima
ideal de toda uma vida.
Sonhava com o dia
em que morresse
e pusessem seu nome,
estampado,
em todas as placas
que indicassem
o caminho que leva
ao veloz sistema viário.
Morreria por esse dia,
mesmo que não pudesse ver.
E agora ali,
congestionado,
culpa
de um paquiderme
empacado.
“Que vexame!
Gastar um dinheirão,
para fazer
um praião de concreto
para o povão!”

Pobre prefeito.
Não sabe que nada é perfeito.
Não vê a alegria
estampada nas faces
de seus afáveis
eleitores.

Eles, que sempre fizeram
de tudo por ele.

Ele, que sempre faz
de tudo contra eles,
se prepara para fazer
mais uma das suas.

Liga para todos os órgãos que compõem
o corpo governamental
e ordena que limpem as ruas:
“Quero meu veloz
sistema viário
limpinho e funcionando
prefeita
quer dizer
perfeitamente!
Não quero mais ver
esse paquiderme
na minha frente!”

Dito e feito,
em poucos minutos
enormes vassouras
varriam pessoas
p’ro leito das ruas.
Caos total.
Todos correm
gritam
se agitam

“Foge, paquiderme!”
E nada.
O paquiderme
permanece no mesmo lugar.
Nem abana as orelhas.
Nem bocejar boceja.

E todos correm.
“Corre paquiderme!”
E nada.

Como se viesse do nada,
cai do céu então
uma enorme lata
de metal barato
cai do céu
e cai exatamente
no sítio onde situa-se
o paquiderme
cobrindo-o por completo.

Em seguida,
vêm um guindaste
e um caminhão
que levam embora
o paquiderme enlatado.
Atrás segue,
em prantos,
o povo,
numa procissão.

“Comprimiram o paquiderme
enlataram o paquiderme;
em luto, ao prefeito,
diremos não!”

A procissão passa por todo
o veloz sistema viário,
do centrão, pelos subúrbios,
ao mais distante lixão.
No caminho,
aumentam os passos e as vozes
todos saem de suas casas
descem dos edifícios
abandonam seus ofícios.

Todos choram
pelo seu mais gordo irmão.

“Comprimiram o paquiderme
enlataram o paquiderme;
em luto, ao prefeito,
dizemos NÃO!”

Mas de nada adianta tanta reclamação
pois que em poucos minutos
um imenso pelotão abafa com algodão
todos os lamentos e gritos da população.

O luto envolve a cidade
por muitos dias.
Ninguém se conforma
com o fato de ter visto
o paquiderme enlatado,
que nem extrato de tomate,
jogado entre os ratos,
lá no lixão.
Justo ele,
que detestava ratos!

Pobre pequeno paquiderme.
Empacou em local proibido,
e foi banido do centrão.

Já o prefeito,
este não se agüenta
de tanta emoção.
De seu gabinete,
no arranha-céu
mais alto da região,
pode ver
o veloz sistema viário,
templo de sua religião,
fluindo na contínua
corrente dos automóveis,
sente o aroma
do combustível em
combustão,
e sente-se em casa.

Como lembrança do ocorrido,
comprou um pequeno
paquiderme de porcelana
e o pôs no teto
do frigobar.
Pobre prefeito.
Não sabe que lugar de paquiderme
é atrás da porta
com a bunda para o lado de fora.

Com a bunda para o lado de fora,
o prefeito ouve então
um tremendo ruído,
tão estridente
que morde os dentes
e sente o arranha-céu
(o mais alto da região)
tremendo em sua fundação.
O ruído torna-se
cada vez mais alto,
mais alto
mais alto
vira-se de costas
defrontando-se
com as vidraças limpas
mãos nos tímpanos
e vê algo enorme
e corpulento
veloz
voando e voando
em sua direção:

“Um elefante!?!
NÃO!!
UM AVIÃO!!!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário